No meio da multidão o homem está só.
E a liberdade pra ser feliz é a apoteose utópica,
que por debaixo dos conflitos e macabros terrorismos
agitam-se as consciências...
a violência as desertou da verdade.
A multidão caminha com milhares de pés
sobre o chã que assiste o desfile fantasmagórico
de milhões de cabeças de patos, galinhas, perus, pombas
decepadas em fios de sangue no meio do lixo
abundante, fétido e nauseante.
A multidão tem que correr do lixo que se avoluma, cresce,
e até sobre suas cabeças o perigo se estampa em parco espantoso colorido
enquanto prossegue sobre todas as escabrosas inverdades e contÃnuas discrepâncias,
a procissão dos esqueletos
que seguem na cotidiana lida ao compasso sempre igual
todo dia igual - igual até a morte !
no meio da multidão o homem está só!
O homem é a multidão
o homem é quatro paredes
o homem é asfalto
o homem é a esquina
o homem é o escritório
o homem é a buzina
o homem é o consultório
o homem é o frasco de remédio
o homem é o dia-a-dia
o homem é a máquina de escrever e calcular
o homem é tudo que existe fora dele próprio
e já não pode dormir sem pÃlulas porque a cabeceira da cama
se transforma em mil papéis e números que o enlouquecem!
No meio da multidão o homem não sabe quem ele é...
poderia até ser um homem bom e provar um sorvete com o filho no parque...
mas a multidão não para e ele tem que seguir juntamente.
No meio da multidão o homem está só
no infinito abandono da criatura arrancada do afeto maternal,
e ele não pode gritar: "mamãe me ajude! A me libertar desse medo,
da solidão, do abandono, desse vácuo de vida,
quero ser um pouco eu e menos multidão,...
minha mãe! Onde está minha mãe"?
No meio da multidão o homem é massa caminhante
na massificadora procissão dos esqueletos que passam indiferentes,
e sempre no meio da multidão o homem está só
sentindo aos poucos a vida escapulir dentre cada novo passo.
No meio da multidão que passa o homem está sempre só!
Os pés pisam com força sobre milhares de rastros que se desfazem sob tantos rastros,
a cada instante reinicia o ensaio final,
a cada minuto e segundo
o tempo deixa um vazio sem nem qualquer sentido,
o homem de repente acorda-se
para outra realidade tediosa da vida sacrificada
e dentre o mecanismo desastroso e degolador ele grita por Deus - e se pergunta: -"Quem é Deus? Onde está Deus?"
De nada sabe e nunca conheceu igrejas,
só agora quer saber desse Deus - jamais rezou um "Pai Nosso",
nada sabe de santos, altares e preces.
E do meio da multidão o homem como um animal solitário se exalta e proclama:
"há de gritar minha voz por esse Deus
que nem sei se existe
há de gritar minha voz
com a dor da súplica
há de gritar minha voz por piedade!...
há de gritar minha voz e penetrar todos os recantos
até os lóculos das flores
porque eu preciso desse Deus
seja ele quem for
e onde estiver...
há de gritar sempre minha voz por Deus...
por Deus!
já basta a minha ruÃna
andarilha em velhas e rotas botas
que nada assimilam dos caminhos,
há de gritar minhas voz a cada hora:
eu quero esse Deus para mim!
há de gritar minha voz:
modifica-me Deus por misericórdia!
Mesmo que só por um dia
pra que eu não morra decepado e agonizado
pela loucura entre tantas cabeças de animais
no meio do lixo, fumaça e abutres...
há de gritar minha voz por esse Deus!
Já basta esse vácuo ilimitado e torturante
eu preciso desse DEUS
AGORA!
Fonte da imagem: meninadosolhos |
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